Brasil x EUA – Disputa do Algodão

Publicado em: 15 de dezembro de 2009

2009 foi marcado pela decisão final a respeito da disputa do algodão, envolvendo Brasil e Estados Unidos, que se arrastara por sete anos. O caso, iniciado pelo Brasil em setembro de 2002, se referia aos subsídios concedidos pelos Estados Unidos a produtores e exportadores de algodão entre os anos de 1999 e 2002. Nesse período, segundo cálculos apresentados, esses subsídios teriam alcançado US$ 12 bilhões, provocando uma baixa dos preços internacionais do algodão, a exclusão do Brasil de determinados mercados estrangeiros e a elevação da fatia norteamericana no comércio mundial do produto para 39%. Em setembro de 2004, o grupo especial (panel) escolhido para julgar o caso aceitou as principais alegações apresentadas pelo Brasil.

Os Estados Unidos recorreram dessa decisão e, em março de 2005, o Órgão de Apelação confirmou a condenação anterior. Porém, as medidas adotadas por aquele país para adequar seus programas às recomendações do Órgão de Solução de Controvérsias não foram satisfatórias. Isso levou o Brasil a acionar novamente esse órgão que, no último 31 de agosto, concedeu ao Brasil o direito de retaliar os Estados Unidos em US$ 294,7 milhões. O limite para essa retaliação é variável, dependendo dos subsídios ilegais concedidos a cada ano, e foi calculado com base em dados de 2006, podendo aumentar consideravelmente levando-se em conta números mais atuais (para aproximadamente US$ 800 milhões, estima o Itamaraty, caso se baseie no ano de 2009).

Apesar da expressividade do montante – o segundo maior da história da OMC – o que mais chamou a atenção nessa decisão foi a possibilidade de aplicação da chamada “retaliação cruzada”, medida raramente autorizada. Assim, a reação brasileira poderá abranger não apenas no comércio de bens, mas também poderá ser aplicada sobre direitos de propriedade intelectual e serviços, sempre que os subsídios norteamericanos ultrapassem um determinado patamar. Uma das lógicas da retaliação cruzada é que, ao afetar outro setor igualmente poderoso dentro do país condenado (por exemplo, o farmacêutico), o país vencedor poderia contar com o apoio do lobby interno desse setor para forçar o perdedor a rever a legislação que viola as regras da OMC.

Para permitir a retaliação cruzada, o governo brasileiro apresentou projeto de lei que prevê a suspensão ou taxação das remessas de royalties, a quebra temporária de patentes, ou a abertura à importação de versões genéricas de medicamentos ainda não protegidos pela lei de patentes. Esse projeto poderá entrar em breve em vigor, na forma de medida provisória, ou aguardar a tramitação no Congresso, em regime de urgência.

Com relação à retaliação de bens, no mês de novembro foi apresentada para Consulta Pública uma lista preliminar contendo 222 produtos originários dos Estados Unidos que poderão ser objeto da retaliação comercial. A lista, composta de bens de consumo (64%) e bens intermediários (36%) que chega ao valor de US$ 2,7 bilhões, deve ser enxugada para um valor em torno de US$ 450 milhões, levando em conta interesses da indústria nacional e dos consumidores. A partir das respostas recebidas, deve-se reduzir a relação inicial de produtos, que será então levada à aprovação do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Uma vez aprovados, os produtos poderão ter seu imposto de importação aumentado em até 100%, a partir de janeiro de 2010.

O caso é um exemplo interessante de como um país em desenvolvimento enfrenta dificuldades para fazer valer seus direitos concretamente na OMC. A primeira delas é que, pela disparidade de tamanho entre as economias dos países desenvolvidos e as dos países em desenvolvimento, as sanções eventualmente aplicadas por estes últimos são pouco sentidas pelos primeiros. Além disso, as sanções aplicadas por um país em desenvolvimento podem ter efeitos negativos sobre esse mesmo país – por exemplo, o encarecimento de componentes importados utilizados na fabricação de seus produtos, ou o aumento no preço de determinadas mercadorias estrangeiras, prejudicando o bem estar de sua própria população.

Assim, apesar dos avanços nas resoluções dos conflitos comerciais recentes, ainda há a necessidade de uma evolução do sistema para que este se torne mais jurídico e menos político. Em outras palavras, os países em desenvolvimento dependem de novos aperfeiçoamentos desse sistema se quiserem contar com que, nas disputas comerciais internacionais, o Direito sempre prevaleça sobre o Poder.

Fonte: Abrapa

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