Pluma rentável

Publicado em: 7 de janeiro de 2020

O algodão avança sobre áreas de soja no oeste baiano, devido à boa rentabilidade proporcionada pela exportação

(Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

Ninguém vê a neve cair na Fazenda Orquídeas, mas, nos meses de julho a setembro, flocos brancos dominam a paisagem até onde a vista alcança. A fazenda dos irmãos Schmidt fica no oeste baiano, a 900 quilômetros da capital, Salvador, mais precisamente no município de Barreiras. A região é a maior produtora de algodão da Bahia e tem a vantagem extra de colher a fibra de melhor qualidade do país. No ranking nacional de volume de produção, a Bahia só é superada por Mato Grosso.

Os quatro irmãos plantaram nesta safra 6 mil hectares de algodão na propriedade herdada do pai, o gaúcho Paulo Ambrosio, um dos desbravadores que chegaram à região na década de 80. Moisés Schmidt conta que a família dobrou a área de algodão nos últimos três anos, acompanhando o ritmo nacional de expansão do plantio da pluma.

A soja, com 14 mil hectares, ainda ocupa a maior área, mas deve perder mais espaço em 2020. “No próximo ano, pretendemos plantar 20% mais algodão.” A cultura é rotacionada com a soja: a área onde se planta algodão um ano fica dois anos com soja antes de receber a pluma novamente.

Outro produtor da região que está investindo no algodão é o catarinense Celestino Zanella, que plantou nesta safra 3.986 hectares da fibra e 6 mil de soja em suas fazendas em Barreiras e na vizinha São Desidério.

Julio Busato, presidente da Abapa (Foto: CNA/divulgação)

Presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), ele conta que cultivar algodão dá muito mais trabalho porque o produtor precisa ter amplos conhecimentos do uso de defensivos e fertilizantes e de monitoramento de pragas.

“O algodão tem um custo de produção bem mais elevado que outras culturas porque exige equipamentos e uma técnica muito mais apurada. A colheitadeira, por exemplo, custa cerca de três vezes o preço de uma máquina de colher grãos. Digo que produzir soja depois do algodão é um passeio.”

Em suas fazendas, onde 70% da cultura é irrigada, a expectativa de Celestino é alcançar uma produtividade neste ano de 360 a 380 arrobas por hectare. Na safra passada, foram 320 arrobas. Ele afirma que influiu no aumento de produção da fibra nos últimos anos na Bahia a evolução das sementes com a biotecnologia e o fato de os herdeiros dos pioneiros terem se capacitado em universidades para assumir os negócios, melhorando as técnicas agrícolas e a gestão das fazendas.

Celestino diz que é possível dobrar a produção de algodão num prazo de três a cinco anos se houver mercado. Uma barreira, diz, é a estagnação do mercado interno em cerca de 700 mil toneladas. “Faltam políticas para o setor têxtil no país. Vendemos 1 quilo de pluma na faixa de US$ 1,60 a US$ 1,80. Se vendêssemos roupas de algodão, especialmente as femininas, o valor subiria para US$ 30 por quilo. Olha quanta agregação de valor estamos perdendo.”

Moisés Schmidt, produtor de algodão de Barreiras (BA) (Foto: CNA/divulgação)

O investimento dos produtores de grãos no chamado ouro branco se deve ao bom preço no mercado internacional nos últimos dois anos e às modernas técnicas de plantio, tratos culturais e colheita, que elevaram a produtividade média na região oeste baiana de 165 arrobas por hectare na safra 2015/2016 para o recorde de 330 na safra 2017/2018, segundo dados da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa).

Julio Busato, presidente da entidade, lembra que o Nordeste foi o maior produtor de algodão antes de a cultura ser dizimada pela praga do bicudo, nos anos 90. Atualmente, com as técnicas modernas de sementes e combate a pragas e com a rastreabilidade de toda a produção, o oeste da Bahia vai ganhando cada vez mais espaço no mercado internacional.

No ano passado, metade da produção foi exportada, especialmente para China, Indonésia, Bangladesh e Vietnã. Neste ano, o percentual deve subir para 70%. “E podemos dobrar a capacidade de produção apenas pegando 1,5 milhão de hectares da soja”, diz Julio.

O algodão produzido no campo pelos Schmidt e pelos Zanella é beneficiado na Algodoeira Ubahia, no município de Luís Eduardo Magalhães, ex-distrito de Barreiras. A indústria criada há três anos pelos argentinos Miguel Goldemberger e Ricardo Muro Weber reúne a produção de cinco grupos familiares da região. Todos são sócios no empreendimento.

Segundo Miguel, em seu primeiro ano a Ubahia beneficiou 18 mil toneladas de algodão, volume que subiu para 25 mil toneladas neste ano e deve alcançar 27 mil toneladas em 2020. Ele conta que os sócios investiram em logística, automação, estrutura e equipamentos para elevar a quantidade e qualidade do algodão processado.

Antes de seguir para exportação ou para as indústrias têxteis nacionais, amostras de cada fardo de algodão são enviadas para o Centro de Análise de Fibra do Algodão da Abapa, em Luís Eduardo Magalhães. Considerado o maior da América Latina, o laboratório funciona 24 horas e processa 30 mil amostras por dia durante os seis meses de colheita.

“O produtor precisa da classificação para separar os fardos em alta, média e baixa qualidade, como exige o mercado”, diz Sergio Alberto Brentano, diretor do laboratório.

Em um ambiente com temperatura controlada e com equipamentos que seguem rigidamente padrões internacionais de classificação, são analisadas a resistência do fio, a espessura, a cor, a sujeira e a uniformidade de cada amostra, entre outros itens. “Na Bahia, 99% do algodão produzido passa pelo laboratório e 60% das amostras recebem a qualificação máxima.” O centro recebe também amostras do algodão produzido no Maranhão, Tocantins e Piauí.

*A jornalista viajou a convite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)

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